Tuesday, May 23, 2006




Canções para Drella

Por volta de 1965, Andy Warhol andava à procura de uma banda em Nova Iorque para um clube noturno que ele queria começar, algo que fosse diferente do estilo “flower power” que dominava na época. Assistiu a um concerto do Velvet Underground e gostou imediatamente da música e da atitude da banda: vestiam-se de preto, usavam óculos escuros (para evitar a visão da platéia) e o conteúdo das suas letras deixava as pessoas desconfortáveis. Um encontro perfeito entre a arte de Warhol, as letras do líder-cantor Lou Reed e a musicalidade do britânico John Cale. Warhol ficou ainda fascinado por Lou Reed, um jovem nascido em uma família conservadora do Brooklyn, que tinha recebido sessões de eletrochoque para controlar suas oscilações de humor e tendências homossexuais.
A banda se apresentava no atelier perfomático de Andy Warhol, o Factory. Foi dele a idéia de convidar a bela e estranha Nico para vocalista no lugar de Lou Reed. Não foi apenas uma obsessão estética, mas começaram enfim a surgir problemas. O Velvet Underground gravou álbuns extremamente originais, influenciou diversas bandas que viriam depois, o movimento punk inclusive e foi um grande sucesso. Porém, geniais e instáveis, surgiram vários atritos. O Velvet era conhecido como “amphetamine band”, o consumo de substâncias era alto e Lou Reed, hoje um dependente recuperado de anfetamina (e heroína), ficou paranóico sob o efeito da droga, o que também gerou vários desentendimentos. John Cale saiu primeiro da banda, depois foi a vez de Lou Reed em 1970. O Velvet Underground se dissolveu e os membros do grupo pararam de se falar.
Andy Warhol morreu precocemente em 1988 e Lou Reed e John Cale finalmente se renconciliaram no seu funeral. Deste encontro nasceu o desejo de uma homenagem para Warhol e o belo e melancólico álbum “Songs for Drella” lançado em 1990. Drella é um neologismo usado para celebrar a androginia de Andy Warhol, uma mistura de Drácula e Cinderela.
Espécie de biografia escrita por Lou Reed e musicada por Cale, as letras de “Songs for Drella” relembram a trajetória de Warhol, que começa com “Smalltown”, os preconceitos sofridos por ele na infância em Pittsburgh, um garoto sensível filho de imigrantes: When you're growing up in a small town/ Bad skin, bad eyes, gay and fatty/ People look at you funny/ When you're in a small town.
Depois segue-se “Open house”, sobre as portas abertas da casa-atelier de Warhol, que recebia todo o underground de Nova Iorque. Seu espírito de grupo em “Faces and names”. Sua arte em “Images”, “Trouble with classicists” e “Work”. A descoberta da importância do dinheiro no meio artístico em “Style it takes”: You’ve got the money, I’ve got the time/ You want your freedom, make your freedom mine. Sua natureza existencialista em “It wasn’t me”. Suas reflexões em “Nobody but you”. Sua tranformação em “Forever changed” e o episódio Valerie Solanis em “I believe”.
E por fim, a belíssima “Hello it’s me”, espécie de carta, conversa e epitáfio escrito por Lou Reed para “Andy”. Trata de vários episódios de uma amizade profunda e difícil, de mágoas e ressentimentos: I have some resentments that can never be unmade. E sobretudo sobre a perda, a falta e a saudade: I really miss you, I really miss your mind/ I haven’t heard ideas like that for such a long long time.
Lou Reed é um sentimental, embora não pareça. No encarte do disco, ele faz um comentário sobre Warhol: “Chocolates were his weakness”. Drella teria adorado.

Virna Teixeira

Publicado no blog Pesa Nervos em outubro de 2005.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

belíssimo texto Virna. Este é um disco único, primoroso, exemplar. Um dos meus favoritos.

Sds

11:48 PM  

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