Friday, February 10, 2006



Um dos melhores álbuns de covers de todos os tempos. Bastaria para definir o terceiro trabalho de Nick Cave. Este australiano deixou sua marca inconfundível na história do rock, com sua voz grave e soturna, suas letras em prosa narrativa, sua fixação em temas religiosos, morte, amor e violência, sempre sob uma ótica bizarra e heterodoxa, e muitíssimo bem acompanhado pelos Bad Seeds: Blixa Bargeld, Mick Harvey e Tommy Wydler. Além do álbum a ser comentado hoje, Nick Cave tem, a meu ver, mais 6 momentos fundamentais: sua estréia, em 1984 com From Her to Eternity; seu segundo disco, The Fisrstborn Is Dead, de 1985; o perfeito Tender Prey, de 1988; Let Love In, de 1994; The Boatman's Call, de 1997, centrado no rompimento com PJ Harvey e o excelente No More Shall We Part, de 2001. Nick Cave é claramente influenciado por outro ícone da música, Leonard Cohen, já comentado n'O Cárcere das Asas anteriormente, e faz desta influência uma de suas grandes qualidades artísticas. Poucos são tão sombrios e tão belos como os discos deste cantor/compositor único. Kicking Against The Pricks é um trabalho lapidar. Passeando com habilidade por diversas vertentes musicais, Cave revisita magnificamente canções díspares como Something's Gotten Hold of My Heart, de Gene Pitney, um hit pop e All Tomorrow's Parties, do Velvet Underground. Há ainda outra pérolas no CD: Hey Joe, eternizada por Hendrix; I'm Gonna Kill That Woman, de John Lee Hooker; The Singer, de Johnny Cash; Black Betty, de Leadbelly e The Hammer Song, de Alex Harvey. Um disco imperdível, portanto. Com ele, Cave firma-se no universo da música como um intérprete versátil e qualificado, além da promessa de grande compositor (à época), confirmada posteriormente pela seqüência de trabalhos de alto nível que produziu. Há ainda uma curiosidade interessante. Nick Cave gravou no Brasil o álbum The Good Son, em 1990, uma obra marcada por referências religiosas, incluindo um hino evangélico, cantado em português, Foi Na Cruz. Cave casou com uma brasileira, neste período. Com certeza o rock perderia bastante de seu lado mais sombrio, mais melancólico, sem a intervenção poderosa de Cave e sua banda, uma voz gutural que canta a morte, a dor, a fé (ou a falta dela), alternando baladas pungentes com rocks nervosos, à maneira do meste Iggy Pop, outra influência fundamental. Cave deve ser ouvido atentamente, suas letras são textos sempre cuidadosamente escritos, os arranjos de suas canções são invariavelmente belos e a dor que ele transmite rasga a carne de quem ouve. Por tudo isso, um nome escrito com letras maiúsculas na história do rock.

Celso Boaventura

Monday, February 06, 2006



AS NOITES FELINAS DE CYRIL COLLARD

Escritor, diretor de cinema, ator, músico, bissexual. Contaminado pelo HIV, Cyril Collard faleceu aos 32 anos de idade, por complicações relacionadas a AIDS, no momento em que seu polêmico filme, "Les nuits fauves" era premiado com vários Cesars na França. O filme, adaptado do livro homônimo, conta a trajetória autobiográfica de Cyril, que interpreta a si mesmo como o personagem Jean e sua história de excessos, bizarras relações múltiplas e práticas sexuais limítrofes. Jean se apaixona por uma jovem, de nome Laura - que não aceita usar preservativo apesar de saber que Jean é soropositivo, em nome do "amor" - um amor obsessivo. Mas Jean por outro lado não consegue amá-la, nem deixá-la, e assim se estabelece um vínculo doentio, repleto de dor e jogos perigosos. O livro foi traduzido para o português e publicado pela editora brasiliense. Espécie de Bataille dos anos 90, Cyril chega a uma constação interessante das suas dificuldades e do medo da intimidade no final da sua vida breve e intensa. Uma reflexão sobre os excessos. Transcrevo aqui um trecho do livro traduzido para o inglês, Savage Nights:

"Seeing one hand holding another caused me incredible pain; more than you can imagine. In a few seconds, it summed up everything you expect of me that I can't give you. . . . I've searched for that feeling for years, through hundreds of nights, with hundreds of bodies. I don't want you to go through that. I want you to find it: a hand holding yours."

E também um trecho de uma entrevista de Cyril, sobre a Aids:

"What happens when AIDS hits you?"

"You feel fear, a profound fear. But at the same time a strange calm comes and takes you in hand. It turns fatality into destiny, in which you can dredge up - out of even the filthiest depths - insights into truth, love and lust to console you for your pain".